Iniciaremos neste texto um
estudo sobre a poesia latina de Caius Valerius Catullus (vulgo Catulo) e sua
obra
Carmina, dedicada ao historiador Cornélio Nepos, uma coletânea de 116
poemas que se dividem em três grupos. O primeiro deles compreendem os sessenta
primeiros poemas, curtos e livres; o segundo grupo composto por oito poemas
longos e o terceiro grupo compõe-se por quarenta e oito poemas compostos por
epigramas.O poeta redigiu sua obra na era pré-cristã e teve breve existência
vindo a falecer precocemente.
Em seguida
será realizada a análise de um trecho de sua obra para que seja possível a sua
compreensão, bem como os métodos utilizados para sua tradução.
Este
trabalho compreende também a intertextualização da obra de Catulo com Manuel
Maria Barbosa Du Bocage, mais conhecido por este último. Nascido em Setúbal em
15 de setembro de 1765 D.C. é considerado por alguns como um dos grandes
precursores do Romantismo.
Vale
ressaltar que alguns de seus poemas (principalmente os obscenos), são dúbios
quanto à autoria. Entretanto sua vida corrobora a existência deles em seu nome. Vejamos então:
Poème 28
Amabo, mea dulcis Ipsithilla,
meae deliciae, mei lepores,
iube ad te veniam meridiatum.
et si iusseris
illud, adiuvato,
ne quis liminis obseret tabellam,
neu tibi libeat foras abire;
sed domi maneas paresque nobis
novem continuas fututiones.
verum, si quid ages, statim iubeto:
nam pransus iaceo
et satur supinus
pertundo tunicamque palliumque.(Catulo, Carmina, p.34)
Diante deste trecho, demonstrarei como é possível realizar mais de uma interpretação de determinado segmento, levando-se em conta questões contextuais e léxicas.
Observem a seguinte tradução de José Paulo Paes:
Eu
te peço, minha doce Ipsistila,
Delícia
e encanto deste meu viver:
Convida-me
a passar contigo a sesta.
Caso
me convidares, cuida bem
De
que não ponham tranca em tua porta
E
não te dê vontade de sair.
Fica
em casa, tranqüila, preparando-te
Para
nove trepadas sucessivas.
Se
preferires, vou agora mesmo:
Almocei
bem e ora farto, ressupino,
Furo,
de impaciência, túnica e toga.
Agora o mesmo trecho por Nelson
Ascher:
Desejo-te,
Ipsistila, que me chames
esta
tarde aos deleites delitos
de
teu leito porém cuida que outro
não
bata logo à porta e minha cara
não
saias pois, mas te preparas para
nove
rounds e tesão ininterrupto
caso
queiras convida-me depressa
pois
almoçado curto a minha sesta
agora
aqui deitado em devaneios
com
meu pinto a varar cueca e calça.
E por último outra interpretação de
João Ângelo Oliva Neto:
Peço,
minha boa Hipsistila,
minhas
delícias, meus encantos, pede
que
eu vá dormir junto contigo a sesta.
E
se pedires cuida disto: que outro
não
introduza entraves na portinha
nem
queiras tu sair por aí fora.
Mas
fica em casa, preparando para
nós
umas nove contínuas trepadas.
E
se algo fores fazer, chama logo,
que
almoçado, deitado, e satisfeito,
tanto
túnica eu furo quanto o manto.
Como é visível há variações nas
traduções. E o questionamento vem-nos à mente, por quê?
Há diversos fatores que possibilitam
isto.
Partimos do princípio que no Latim
cada palavra possui uma variação de acordo com sua posição em relação às
outras. Não muito diferente do português que desta se originou, esta possui
classes divisoras, chamadas de Casos dos quais:
Nominativo
Na oração ele é o sujeito, o que
executa a ação.
Vocativo
Sempre acompanhado de vírgula seja
antes, seja depois ele indica chamamento ou apelo.
Genitivo
Correspondente na nossa língua ao
Adjunto Adnominal Restritivo.
Dativo
É o Objeto Indireto da oração.
Ablativo
Correspondente aos nossos Adjuntos
Adverbiais.
Acusativo
Por fim este é o nosso atual Objeto
Direto.
Analisemos um pequeno trecho, então:
Amabo, mea dulcis Ipsithilla,
Seguiremos a análise de uma palavra em particular:
Amabo
Segundo o Dicionário Latino Português
de Francisco Torrinha esta palavra nesta forma significa, por favor, por mercê,
sendo então uma expressão de cortesia. É notável como as possibilidades de
tradução variam de acordo com toda a informação prévia do tradutor e sua
intenção ao traduzir. Podemos observar então esta variação “Eu te peço/ Desejo-te/
Peço” da própria palavra “amabo”. Verificamos também a oscilação no que tange o
nome da musa do autor na qual consta: Ipsistila e Hipsistila para o nome
original Ipsithilla.
Observemos agora como o texto de
Catullo se cruza e intertextualiza com o texto de Bocage nascido séculos
depois.
O texto de Bocage é traduzido por
Glauco Mattoso antigo escritor e desenhista de histórias em quadrinhos na
década de 80, às quais retinham a alcunha de malditas e hoje são consideradas
por alguns, verdadeiros clássicos à frente de seu tempo. Segue então:
XLIX [SONETO DA MOCETONA PUDIBUNDA]
Levanta Alzira os olhos pudibunda
Para ver onde a mão lhe conduzia;
Vendo que nela a porra lhe metia
Fez-se mais do que o nácar rubicunda:
Toco o pentelho seu, toco a rotunda
Lisa bimba, onde Amor seu trono
erguia;
Entretanto em desejos ela ardia,
Brando licor o pássaro lhe inunda:
C’o dedo a greta sua lhe coçava;
Ela, maquinalmente a mão movendo,
Docemente o caralho me embalava;
“Mais depressa”- Lhe digo então
morrendo.
Enquanto ela sinais do mesmo dava;
Mística pívia assim fomos comendo.
Percebe-se então por este pequeno
texto que a mesma eroticidade e lascívia contida em Catulo, são revistas com
tons mais pesados, beirando a pornografia pelo Bocage, que tanto é famoso por
sua poesias de natureza mais romântica (no sentido leve da palavra).
Podemos concluir então que apesar de
tantos anos e tantas revoluções entre eles, certos conceitos acabam se
inserindo no nosso cotidiano de modo imperceptível (ou não), se refazendo a
cada era.
Deixo uma proposta então:
Persigamos a originalidade. Ela pode
estar escondida por aí...
Fontes:
Dicionário
Latino Português/Francisco Torrinha/Gráficos Reunidos LTDA
